O Amor nos Tempos do AdBlock
Lembro da situação, do local e do momento.
Era o apartamento dos meus tios em Copacabana, em uma típica noite quente do último verão da década de 80 e, na TV, Sergio Chapelin e Cid Moreira apresentavam o noticiário. A TV em um volume que se ouvia de qualquer canto daquela casa onde passávamos nossas férias.
Escuto a vinheta de encerramento do bloco de notícias e, de repente, o silêncio toma conta da sala onde estávamos: meu tio havia acabado de colocar a televisão no mudo para escapar do intervalo comercial e puxou uma revista para folhear. Só voltaria a tirar do mudo minutos depois, quando os apresentadores do JN voltassem à tela.
Por algum motivo, esse fato banal ficou eternamente registrado na minha memória de criança. Logo eu, que devorava os intervalos comerciais com a mesma dedicada curiosidade com que os olhos devoravam os programas que eram por eles intercalados (aquela profusão de informação, imagens e sons!), achei aquilo extraordinariamente estranho: era a primeira vez na vida em que via alguém se recusar a ver publicidade. Foi a minha primeira experiência com um adblock. E era um adblock do mundo real.
Quase 30 anos depois, cá estamos.
No mundo todo, nos últimos dias, a indústria da publicidade e, principalmente, os portais que utilizam publicidade como modelo de monetização discutem o grande aumento na adoção dos adblocks, plug-ins, extensões ou aplicativos com o objetivo de bloquear anúncios durante a navegação na Internet.
No Reino Unido, por exemplo, 12 milhões de usuários utilizam hoje serviços de adblocking, sendo um aumento de 82% em comparação com o ano anterior. Em representação mais visual desses dados, digamos que UM a cada CINCO usuários de internet na Terra da Rainha escolhe não receber anúncios.
Os EUA seguem a tendência, com crescimento de 42% no uso. Não há dados disponíveis para o Brasil, mas o usual é que essas tendências se repitam mundialmente, o que já acende uma lâmpada de preocupação: estimativas da Adobe e PageFair indicam que o prejuízo pode chegar a 78 bilhões de dólares em 2016, no mundo todo (já foram U$ 21 bilhões só esse ano de 2015).
Vejam a ironia: nem bem a publicidade tradicional precisou superar o baque do redirecionamento de parte dos investimentos em mídia do tradicional para o digital, utilizando como argumento de venda a precisão com que o digital mensura suas entregas, e agora vê o modelo de entrega de anúncios comprometido por uma mudança no hábito de sua audiência.
Na verdade, não uma mudança, mas a convergência para o digital de um hábito que já existia no tradicional.
Afinal o mesmo motivo pelo qual meu tio deixava a TV no mudo é o que faz com que tantas pessoas ao redor do mundo instalem adblocks: a propaganda invasiva, que se apresenta sem sua permissão e oferece coisas que não te interessam, é uma intromissão dentro do seu entretenimento ou consumo de informação. É o convidado do seu convidado que leva o violão para a sua festa e tenta exigir sua atenção.
Não me entenda mal: a publicidade continua sendo uma importante ferramenta de apresentação de seus produtos e serviços e de comunicação de seus valores institucionais.
Mas o seu consumidor estabeleceu uma outra forma de se relacionar com esses conteúdos. Se antes ele aspirava o status ao consumir e buscava saciar necessidades imediatas disparadas pelo apelo persuasivo da propaganda, hoje ele espera se conectar com os valores das marcas, pertencer a um estilo de vida com o qual se associe intencionalmente, se relacionando com sua mensagem publicitária em discursos de identificação. A decisão de consumo cada vez mais consciente e os novos hábitos do consumidor não combinam mais com o “Compre o que você não precisa, mas pagando a perder de vista”.
E, nesse cenário, mais do que abraçar o peso do alarmismo, é necessário interpretar como um momento de ressignificação de valores e redefinição de estratégias, que compreendem uma visão de marketing que não foque só em mídia:
- O que sua marca anda fazendo para se relacionar com seus clientes em outros espaços que não os publicitários?
- O que sua marca anda fazendo para gerar identificação com seus clientes e com suas escolhas de estilos de vida?
- O que sua marca anda fazendo para ganhar a admiração de seus clientes, a partir da forma como estes percebem os seus valores?
- O que sua marca tem feito para se apresentar quando seu cliente precisa de você, fugindo da tentação de bombardeá-lo com propaganda em momentos inoportunos?
- O que sua marca tem feito para conseguir ser mais eficaz na entrega de suas mensagens aos seus públicos de interesse?
O desafio, mais do que nunca, é o do relacionamento. Em todas as esferas, e não apenas no trabalho do digital ou do social media divertidinho. Da associação e identificação. De construção de marcas que amamos por meio do cumprimento de suas promessas e atendimento de nossas expectativas: o amor nos tempos do Adblock.
Mas… e a mídia?
Com mais gente bloqueando propaganda, é claro que se instauram algumas dúvidas quanto à efetividade da entrega da publicidade digital. Mas há motivo para o alarme?
A primeira coisa que você precisa saber é que os adblocks não bloqueiam TODOS os anúncios. Apenas anúncios que firam alguns guidelines específicos (falo já sobre isso) ou sejam considerados intrusivos, inconvenientes ou desagradáveis por sua comunidade de usuários. Na prática, anúncios que interfiram na sua experiência.
Logo, a menos que sua empresa ou sua agência compre mídia em pop-ups, pop-unders, aprove anúncios piscantes que induzam ao clique por erro, anúncios que prometam o impossível ou que tenham conteúdo inadequado aos sites onde são apresentados ou, ainda, finjam não ser publicidade mas botões de confirmação ou partes do conteúdo de um site, não há motivo para perder seu sono.
Se você ficou curioso, esses são os 5 tópicos do Manifesto Acceptable Ads, que dita os guidelines utilizados como referência pelos adblocks (leia o manifesto do Acceptable Ads, na íntegra, aqui):
- Anúncios Aceitáveis não são inconvenientes;
- Anúncios Aceitáveis não corrompem ou distorcem o conteúdo da página que você tenta acessar;
- Anúncios Aceitáveis são transparentes e não fingem não ser anúncios;
- Anúncios Aceitáveis são eficientes sem precisar gritar conosco;
- Anúncios Aceitáveis são apropriados e adequados aos sites que os veiculam.
Segunda coisa, um fato: apesar de sua grande adoção como extensões de navegadores e aplicativos desktop, as versões mobile dos adblocks ainda não apresentam o mesmo ritmo de crescimento nos downloads e instalações.
Sendo assim, campanhas que foquem sua veiculação em dispositivos móveis têm uma entrega ainda considerável (a parte de cliques e conversões vai depender da qualidade da oferta e do que está sendo veiculado enquanto anúncio), principalmente se levarmos em conta a importância cada vez maior destes dispositivos no share de meios de acesso à internet no mundo todo.
Mas convém lembrar que, mesmo aí, deve-se atentar aos guidelines propostos, pois a adesão a ferramentas mobile de bloqueio de anúncios pode não ser tão rápida, mas é algo que existe e tem seu ritmo.
Nesta relação entre empresas e públicos, onde o segundo tem o poder de silenciar o discurso não-interessante e invasivo do primeiro, o desafio que se apresenta é o da necessidade de relevância (ao público), de contexto (ao meio/veículo) e de aderência (aos discursos) naquilo que é veiculado.
Na prática, o que seria negativo à primeira vista ajuda a selecionar e a melhorar a oferta de publicidade. Principalmente a publicidade que interessa, que é boa ao anunciante, ao veículo e não atrapalha o usuário final.
Afinal, na publicidade, assim como no amor, ser constantemente interessante ajuda a ser lembrado e a sustentar a relação.
Se sua empresa quiser conversar sobre como performar melhor no digital, estamos disponíveis para bater um papo com você.